
ANS altera forma como avalia reclamações e planos alegam que podem ser suspensos sem análise técnica
ANS deixa de analisar de forma qualitativa e passa a considerar a quantidade de reclamações que bene
A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) alterou a forma como utiliza as reclamações recebidas contra operadoras de planos de saúde para acompanhar o desempenho, podendo levar a suspensão temporária da venda de produtos.
Antes, demandas eram avaliadas por núcleos da ANS de forma qualitativa ou soluções voluntárias eram utilizadas como indicador. Agora, a agência passa a utilizar a opinião do usuário se a reclamação foi resolvida ou não, podendo trazer distorções ao processo.
A nova forma de avaliação preocupa as empresas de planos de saúde, pois passa a depender mais do que os clientes dizem sobre como suas reclamações foram tratadas do que de uma avaliação técnica sobre o mérito da demanda e a forma que a operadora atuou sobre ela. Em abril, a ANS irá apresentar a primeira lista de planos de saúde que podem ser suspensos com base nessa nova regra, comparando os resultados dos dois últimos trimestres, já que os dados são compilados a cada três meses.
A agência defende que a mudança é importante porque não depende da análise manual de demandas assistenciais, em um cenário de falta de servidores e cortes no orçamento da ANS. Além disso, ela mantém o uso de demandas com indícios de infração em questões relacionadas ao atendimento do beneficiário. O aumento expressivo no número de Notificação de Intermediação Preliminar (NIP) também foi ponto-chave da mudança.
Em um mercado com a imagem constantemente afetada, a ANS tem buscado trazer mais transparência e dar mais valor à opinião do usuário. Neste mês, a agência lançou um painel sobre Taxa de Intermediação Resolvida, que permite avaliar a capacidade de resolução do setor, por modalidade, estado e ano, assim como por operadora.
“A mudança deixa um grau tão subjetivo, porque a questão da satisfação do beneficiário não é objetiva. Pode ter conseguido atendimento, mas teve que passar por uma via crucis e estar insatisfeito com o atendimento. Temos falado para as operadoras que o foco nem seja tanto agora o atendimento em si, mas asatisfação”, afirma Fernando Bianchi, sócio do M3BS Advogados.
Atendimento, a entidade aponta que pode resultar em suspensão na comercialização de um produto e problemas na imagem da empresa.
“Tem muita reclamação de que o beneficiário não é beneficiário da operadora, por exemplo, ou que o beneficiário está afirmando que a operadora alegou carência.
Mas a operadora mostrou para o regulador que estava de fato em carência. Mas a reclamação não foi considerada resolvida porque não soluciona o problema.
Agora, vão entrar todas as reclamações não resolvidas, independente de qualquer avaliação sobre a pertinência dela”, observa Marcos Novais, diretor executivo da Abramge.
Importância da NIP e mudanças na métrica
De acordo com a ANS, 80% das reclamações gerais cadastradas por beneficiários na agência são solucionadas. O número é bem visto pela agência, pois é considerado como um meio do caminho entre a falha na comunicação entre operadora e beneficiários, e a judicialização. O novo painel, chamado de Taxa de Intermediação Resolvida (TIR), traz dados mais detalhados.
“O novo painel é como se fosse um ‘Reclame Aqui’ regulatório, onde não tem ingerência das operadoras e dos órgãos de defesa do consumidor. A ANS pega o seu próprio insumo interno e divulga, mostrando para o consumidor checar, ver quem tem muita reclamação e quem não tem, e servir de mais um parâmetro de transparência e ferramenta para a escolha da contratação”, explica Bianchi, do M3BS Advogados.
O movimento é visto de forma positiva pelo setor, mas surge na esteira da mudança no indicador do Monitoramento da Garantia de Atendimento. Essa modificação preocupa as operadoras por deixar de ter uma avaliação sobre o mérito das reclamações de beneficiários e a ação que a operadora tomou frente a elas. Se passa a adotar o critério de atendimento resolvido ou não resolvido, de acordo com o apontamento do beneficiário.
Bianchi também explica que a mudança pode ter impacto na judicialização, já que os juízes podem utilizar as informações disponíveis da ANS para embasar sua decisão. Em 2024, mais de 300 mil novos processos contra a saúde suplementar foram abertos no Brasil, de acordo com dados do Painel da Judicialização da Saúde do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
“É uma fonte de pesquisa do Poder Judiciário, que não conhece tecnicamente igual nós conhecemos o setor. E que, portanto, pode ser também mais um critério que induza a formatar algumas impressões e conhecimentos do juiz, por exemplo, na concessão de uma liminar, no julgamento de mérito de um propósito”, afirma o advogado.
Fernando também aponta que para além da suspensão de comercialização de uma operadora, as reclamações de beneficiários também podem servir para instauração de uma direção técnica em planos de saúde, por acender um alerta de que está ocorrendo uma dificuldade assistencial. Em última instância, sem sem mudanças nas empresas para mostrarem que estão buscando sanar possíveis problemas, a ANS pode determinar a alienação compulsória de carteira.
“Hoje uma das maiores preocupações é o aumento de NIPs e, consequentemente, o novo cálculo. O acolhimento, a ampliação das ouvidorias, ter uma forma diferente de autorização dos procedimentos, novos critérios de padronização do sistema, tudo isso muda e faz diferença no resultado. A ANS jogo a responsabilidade para o mercado”, observa Bianchi.
O indicador do Monitoramento da Garantia de Atendimento, ferramenta utilizada para acompanhar as reclamações do setor, irá considerar com a mudança 50% das solicitações classificadas como não resolvidas pelos próprios beneficiários, ao invés de ter uma avaliação técnica da agência sobre a reclamação e a solução encontrada.
Impacto no setor
Para a Abramge, a decisão da ANS pode trazer impactos negativos ao setor, podendo suspender operadoras de comercializar planos de saúde de maneira indevida, com reclamações que não seriam justas caso avaliadas de maneira criteriosa pela agência, já que podem ter reclamações de beneficiários que estejam fora das regras.
“Oficiamos a agência nesse sentido. Mas só tivemos uma resposta que não atenderiam nosso pleito, infelizmente. É mais um problema que poderíamos ter levado alguma solução mais engenhosa, que fizesse algum sentido inclusive estatístico, porque a solução dada não faz sentido algum”, defende Marcos Novais, diretor executivo da Abramge.
A entidade defende que o método de cálculo anterior também não é o melhor que pode ser utilizado, mas era eficiente ao que se propunha. Por isso, não havia necessidade de alteração e a realização de uma Análise de Impacto Regulatório (AIR) poderia trazer essa análise técnica. O fato de a agência não ter capacidade de pessoas para avaliar as NIPs não pode, segundo Novais, ser critério para alteração.
“Em toda nova norma que vem contra a operadora, ninguém questiona se ela tem equipe ou não para desenvolver o trabalho, se ela vai ter condição ou não de reajustar o produto, já que a ANS dobrou o trabalho que o plano de saúde teria. Temos que implementar a mudança necessária para entregar algo que foi solicitado”, afirma o diretor executivo.
Novais reforça que todas as ferramentas trazidas pela ANS para mais transparência do setor são vistas de forma positiva e devem ser incentivadas. Elas são um caminho para mostrar aos beneficiários a qualidade do serviço e como funciona o mutualismo. Contudo, a mudança no cálculo do indicador do Monitoramento da Garantia de Atendimento pode trazer impactos. “Ampliou muito as empresas que vão poder ter suspensão. Será que essa ampliação foi justa? Temos empresas que com cinco reclamações caem na suspensão por causa do número de vidas que ela tem. E, se dessas cinco, duas não eram reclamações contra a operadora ou não eram plausíveis? Esse é o tamanho do problema”, indaga Novais.